sexta-feira, março 11, 2005

11-M

"Ir até ao extremo é ficar sem lugar,
porque o extremo não é um lugar,
mais além não há espaço
e quem foi até ao extremo
já não pode retroceder.
Ir até ao extremo consiste precisamente
em achar a impossibilidade do regresso.
Ou talvez tão-só
a impossibilidade.
E o impossível não precisa de lugar"


Roberto Juarroz

Daniel Faria havia já escrito que há "homens como lugares mal situados". A estranheza que esses lugares provocam é absurda, nos homens-humanos não faz sentido, é o "impossível" que ganha lugar. O terrorismo não tem religião - não por caber em todas, mas por não caber em nenhuma. E se tem, porque se pode insistir que tenha, é a loucura no seu máximo expoente. É a construção mental de um deus de si, só de si, e para si. É a construção da "impossibilidade do regresso". À parte de culturas ou etnias. Porque a sua absurda intenção é tão entusiasticamente defendida e partilhada por um grupo claramente transnacional, transreligioso e transcultural, como são do mesmo intenso modo o repúdio, o desespero e o medo, por outro grupo transversal de quem humanamente chora a morte ou teme injustas represálias.
No silêncio das horas terríveis as palavras são pó. Deixo aqui uma poeira que aqueça no gelo que faz.

"UMA PEQUENINA LUZ

Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a litle light
una piccola... em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indefectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brillha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha."


Jorge de Sena