quarta-feira, janeiro 24, 2007

Pensamentos...




No último domingo estava eu em amena cavaqueira depois de ter ido ver o Otelo ao S. João (Otelo nítido erro de casting, Iago-o "mau" e encenador da peça-excelente...) e pergunto num tom meio gozão o que é que levava alguém a ir à missa todos os domingos, como se explica... A resposta de alguém que me conhece bem não tardou : "e tu o que é que encontras na música e nos livros?" Foi uma pergunta que me deixou a pensar...
A Música, assim como a religião lato sensu, é uma linguagem universal. A sensibilidade e gosto pessoal, o meio de que se é parte, faz com que cada um se aproxime mais do Som ou do Ser Superior com que mais se identifica.
A Religião consegue agregar em torno dos seus ideais personalidades aparentemente inconciliáveis, criando um conjunto uno e funciona como um encontro de saberes, de valores éticos e morais cristalizados (e infelizmente, demasiadas vezes, obsoletos...), normalmente associados a uma figura ou várias que se destacam pelos seus feitos improváveis e dão um aspecto um pouco mais humanizado, antropomórfico, a algo aparentemenete impossível de alcançar (Cristo, Buda, Maomé...): a Perfeição.
Na Música há uma partilha única de existências que de outro modo dificilmente se aproximariam e, sem se dar por isso, melodias criadas por alguém que nunca conhecemos, com a sua mundividência, a sua personalidade, o seu dia a dia, passam a ser parte de nós. Associamo-las inevitavelmente a um momento, a uma pessoa que nos tocou, a um dia mau e sempre que a ouvimos revivemos um pouco o que éramos e sentimos quando aquela música soou. E são tantos os momentos, tantas as músicas... Perfeitos ou não, são nossos. Assim como as nossas crenças.
O prazer da novidade é outro ponto em comum. A Fé reforça-se quando é possivel adaptá-la à nossa existência e constantemente redescobrir como pode ser capaz de nos fazer procurar a superação. Com a Música, a descoberta de um novo som abre novas portas à percepção, alarga o sentido do que somos e do que podemos ser, do que toleramos, ajuda-nos a perserverar na busca constante do que poderá ser um melhor futuro para nós e para o que nos rodeia... "Se ele é capaz porque é que eu não posso ser?" Inspiração...é um cliché mas é verdade... Pode ser um veículo poderoso para abrirmos a nossa mente a tudo o que nos rodeia ou de nos fecharmos ainda mais na "pequena ilha" que cuidadosamente vamos construindo para nos proteger do acaso.Como qualquer religião que se preze. Que o digam israelitas e palestinianos...
Maiores ou menores, ricos e pobres, o acesso à música é democrático (hoje mais do que nunca, felizmente...) assim como à possibilidade de professar uma religião. Facilmente seria possível fazer, em dimensões variadas, uma "bíblia musical" daqueles sons que nos reconfortam a alma e nos levam a visitar sítios mais reconditos da nossa memória, pondo as coisas em perspectiva... Uma espécie de Fé mais humanista...

Ontem tive mais uma prenda de anos: a felicidade de ir com 3 grandes amigos ver Brad Mehldau (Obrigado Bateira! um grande bem haja...) em Braga no Theatro Circo (sala muito bonita, a lembrar salas de outros tempos, embora demasiado fria. Até o Mehldau se queixou...).
Apesar de fã confesso do modo como o piano soa quando ele toca, fui na esperança de ver algo mais do que já conhecia. Palco de fundo preto, um belo Steinway no centro de cena com um foco de luz que reflectia um brilho com cheiro a novo. Tudo preparado para que a Música fosse a personagem principal... E se foi...
Por lá passaram Chico Buarque, Radiohead, Nirvana, Nick Drake, Elis, My Favourite Things, todos reunidos em 2 mãos capazes de mesclar o swing e a liberdade do jazz com a toada mais erudita da sua formação clássica e o melhor da canção e da balada pop/rock. Técnica e espiritualidade juntos. Quem esteve presente viu alguém superar-se, fundir-se com um instrumento inerte, soprando-lhe o fôlego e a vida e criando naquele local, para quem quisesse ver, ARTE... despretensiosa, simples, perfeita como só os pequenos prazeres o podem ser. Fez lembrar um Pollock a borrifar os quadros em padrões aparentemente desconexos mas impossiveis de reproduzir porque perfeitos na sua imperfeição.
Volta depressa. Traz-nos FÉ!

2 Comments:

Blogger Seco said...

Aproximas-te de Deus

Jealous
:'(

25/1/07 11:47  
Blogger jb said...

Bellíssimos pensamentos (quero ver esse moleskine...agora não tens desculpa). Escreves como um budista melómano (?). A tua próxima descoberta - que não será descoberta - é a outra dimensão, a do outro. Abraço!

25/1/07 13:00  

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