sexta-feira, fevereiro 18, 2005

a esquerda

Se puderem leiam hoje no Público o artigo de Eduardo Lourenço que fala da cultura/ideologia dos partidos de esquerda. Realça, o ensaísta, a importância da ideologia do PCP como reminiscência (infelizmente) do espírito de Abril que devia ter persistido no PS, único partido da esquerda que evoluiu desde 74 no sentido da potência governativa. Critica este (com outras palavras) por ter-se tornado uma insipiente máquina de função pública, onde a limitada concentração de saberes em tarefas executivas esvaziou a componente cultural originária no mesmo espírito de liberdade e libertação nos quais os comunistas se orgulham ainda de inspirar.
E não será este o grande motivo da confusão entre PS e PSD, e, como consequência disso, da indecisão de muitos votantes? A actual diferença ideológica não existe, ou se existe é muito ténue. São os dois "centristas". As diferenças são constantemente lembradas pelos seus líderes com base num passado pautado por sucessos e insucessos governativos, mas já ele muito pobre ideologicamente. O PS reduziu-se ao "desempenho", encheu-se de intelectuais e deixou-se maravilhar pela "máquina rosa" (como bem nos mostra o Carlos no post sobre os partidos em campanha): teóricos com enorme capacidade e reconhecidas carreiras académicas, ou "enérgicos" militantes capazes de dar a vida pelo partido (ou pelo poder, já se duvida); homens e mulheres inteligentes cada vez mais propositadamente alheados da "velha força motriz" que nos primórdios os moveu como nunca.
O cronista Eduardo Prado Coelho (do qual admito desconhecer qualquer filiação partidária) espelha, também hoje no Público, esta realidade quando afirma que votará no PS "sem estados de alma", mas que lhe agrada ver ao lado de Sócrates a "energia" de Jorge Coelho e a inteligência de António Vitorino, porque ambos complementam o brilhante líder, que, pelo que Prado Coelho não disse, será o homem ideal para governar o partido e o país. É esta falsa incapacidade de assumir que os homens de Guterres governaram mal e não devem ser postos na mesma prateleira de gente nova com provas dadas (ainda que fora da cena política nacional), que se torna sintomática no Partido Socialista. E é isso, ao mesmo tempo, que torna o PS mais "centrista" que "esquerdista". A venda que os novos-velhos candidatos socialistas colocaram no novo secretário geral e querem colocar aos eleitores é vista como a cedência ao interesse e ao oportunismo desde sempre criticados pela própria esquerda.
Ao mesmo tempo, é muito curioso ver a posição dos comunistas nas últimas sondagens ( acima do BE e do PP), que com o seu novo líder parece ter ganho novo fôlego. Conhecendo o programa de governo do PC como já se conhece, é de admirar que, em comparação com o BE, estes não fiquem acima na tabela da corrida. É certo que o Bloco está ainda em crescimento e ainda não se impôs socialmente como força partidária alternativa, essencialmente devido à sua curta história. Mas mesmo assim, não seria de esperar que houvesse uma certa quebra (que as sondagens não prevêem) nos votos do PC? Miguel Sousa Tavares assume a "lufada de ar fresco" que está a ser em toda a campanha, Jerónimo de Sousa. O que pode a esquerda (PS e Bloco) aprender com ele, um dos resistentes e persistentes de Abril? Por vezes tenho a sensação de que a sinceridade, a naturalidade e a transparência dão mais confiança às pessoas e à economia do que as bandeiras e as modas dos "choques".

João Bateira