segunda-feira, fevereiro 21, 2005

a bonança

Tanto para dizer da noite de ontem, mas acima de tudo quero apontar o grande privilégio que é poder(mos) assistir a tudo, estar(mos) vivo(s) neste tempo, poder(mos) comungar desta riqueza histórica, guardar aquelas horas como tesouros, à parte de cores ou inclinações partidárias.
Confesso-me surpreso mas feliz por saber que mais portugueses partilhavam da necessidade de uma mudança à esquerda capaz de, não só subir os mandatos do Bloco e da CDU, mas também dar maioria absoluta ao PS. Enganei-me no prognóstico e ainda bem: o único vencido é a direita, inequivocamente.
A surpresa veio também do PP, sangue-do-sangue de Paulo Portas que, abaixo dos sonhados 10%, abandona a direcção. Falou a dignidade acima da sede de poder? Não. Falou a dignidade por não existir poder do qual pudesse ter sede.
Já Santana não surpreende. O "menino-guerreiro" não abdica, não tem vergonha (mas envergonha), não descola, porque é vítima, e por isso fica triste e pede que dele tenham pena, e lá vai continuando a sua luta, à conquista do improvável palácio.
O PS teve o que queria. Falta saber se a prenda é merecida, se Sócrates está acima de Soares ou Guterres, como a sua maioria está para as outras maiorias. Espera-se com muita espectativa os nomes do governo, será mesmo fundamental saber se voltamos a um guterrismo caduco ou se avançamos para um socratismo inovador.
Contamos, mais do que nunca, com a sensibilidade e o trabalho da restante esquerda, que se espera pôr o dedo em muitas feridas. Ser minoritário no parlamento não significa a proibição de legislar. Propôr, confrontar, questionar, dinamizar, é possível e há vontade para isso.
Por último, esperar que os ciclos de maiorias não sirvam apenas para mandar os grandes para o estaleiro resolver problemas internos ao partido, alheados do trabalho de uma oposição séria, competente e madura.
Ainda isto: apesar de criticável a forma como o fez, na essência Sampaio teve toda a razão ao decidir pela dissolução. E desta forma salva o seu último e difícil mandato. Novo Presidente procura-se, este o próximo capítulo político.
Teremos quatro (espera-se) ininterruptos anos de governação. Esperamos um PS aberto à esquerda e não fechado ao centro. Na bonança de hoje é bom não esquecer a tempestade que já teve tempo de chegar a assentar arraiais. Se difícil é o combate pela vitória, não o é menos nem menos hercúleo será o que ainda agora começa.

João Bateira