quarta-feira, outubro 05, 2005

Justiças

Anteontem vi o debate do prós e contras na 1. Normalmente não o vejo, já que o tempo livre nem sempre ajuda. O tema era a Justiça. A questão era saber que tipo de justiça seria debatida. Essa com J grande que surge aos nossos ouvidos como conceito indeterminado e objecto etéreo, partícula essencial da sociedade civilizada. Ou a outra. A justiça mais quezilenta, mais limitada aos seus ridículos, de tão insignificantes, jogadores (nos quais me incluo). E o debate ainda chegou a passar pela Justiça, quando, muito ao de leve, foram tocados temas como a subsistência do regime das injunções, o colapso do processo executivo digitalizado ou o exagero de acções bagatelares que atafulham os tribunais, das quais uma grande percentagem é da autoria do Estado. Mas 90% do programa versou sobre a justicinha de cordel, caricata na forma como os seus intervenientes esgrimiam graçolas aparvalhadas de entre os colarinhos apertados. A moderadora, Fátima Campos Ferreira, não geriu da melhor forma as hostes dos mais altos responsáveis por cada uma das classes representadas em palco.
Alberto Costa, Ministro da Justiça, defendeu-se ao longo de todo o debate com expressões como “Olhe que fiquei ofendido” ou “Enquanto eu for ministro da justiça pode confiar que não há retaliações” e outras que tais, senhoras de verdade incontestável e empertigada ciência.
O bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves (creio ser este o seu nome), abriu o debate da seguinte forma: “Calma que esse senhor é um grande escritor chileno”, depois da Fátima (a quem todos chamam respeitosamente de Doutora Fátima) lhe ter chamado Rogério Borges. Passou o restante tempo com tiradas espirituosas de bradar aos céus de tão hilariantes. Sejamos honestos, o estado de graça do actual Bastonário deve-se apenas a uma coisa: os juízes estão na miséria. Desacreditados e desorganizados entre si.
Por falar em Juízes, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça arrastou-se nas palavras e nas ideias, dando mais uma vez a imagem de que o critério da maioridade para se atingir o topo na magistratura deveria ser revisto...
Os Magistrados representantes dos Sindicatos meteram dó. Confesso que não consegui deixar de esboçar um sorriso quando os vi perdidos nos argumentos, a ser julgados pela Dra. Fátima. Não há unidade de pensamentos na classe e dessa forma a crescente perda de dignidade do posto agrava-se a olhos vistos.
Depois chegou a vez do representante do Sindicato dos Funcionários Judiciais. Falou bem o senhor. Bem melhor do que os juízes, o advogado ou o ministro. Mas, em última análise, o seu debate passou pelo mesmo: a justicinha. Queixando-se dos privilégios na saúde, quando toda a gente sabe que ninguém no país se pode dar por tão contente nessa matéria como os funcionários do Ministério da Justiça. Queixando-se dos protestos que recebe das pessoas pelo atraso dos processos, esqueceu-se de referir o avultado nr. de funcionários que existe e a intrigante falta de produtividade. Queixou-se, e aí muito bem, da falta de formação dos funcionários judiciais. É certo que deveria haver formação profissional específica para estas profissões, mas também deveria (essencialmente deveria) haver formação cívica.
Os aplausos que eu daria se estivesse naquela plateia teriam sido para o Prof. Jorge Miranda, com quem concordo em absoluto em relação ao facto de os juízes, como órgão de soberania nos termos do princípio da separação de poderes, não poderem recorrer à greve. Seria idêntico ao Governo ou à Assembleia fazerem o mesmo. A lógica da greve esgota-se quando se atinge o topo de uma pirâmide hierárquica. Mas, voltando ao debate, devo dizer que o Prof. Jorge Miranda foi extraordinário na sua exposição, brilhante no raciocínio. Como sempre, aliás. Outra pessoa que merecia aplausos seria o Dr. João Pedroso, também ele muito coerente e versando temas essenciais.

Em resumo, foi triste ver os espelhos das classes com responsabilidades da Justiça falarem do acesso a senhas de almoço e pensos rápidos. Para reivindicar, que se fizesse um debate com os trabalhadores têxteis ou do calçado que nunca percebem porque é que as empresas fecham e ficam no desemprego.
E assim vão as coisas na terra da senhora com os olhos vendados. E sabem que em terra de cegos...