quarta-feira, março 23, 2005

Sócrates o sério

Com a proposta de referendo sobre o aborto Sócrates mata dois coelhos de uma só vez: antecipa-se ao Bloco de Esquerda não se deixando por este azucrinar ad eternum, roubando-lhe a bandeira de campanha (desvirtuando-o, de certa forma); e cedo sacode o sapato livrando-se da pedra do referendo que tantos calcanhares já chateou e, espera-se, não mais chateará.
Nem a morte dos agentes da PSP, nem a seca, nem a Bombardier, nem tudo ao mesmo tempo parece perturbar a determinação do novo governo. Afinal o Sócrates mau gestor de imagem, antipático aos media, nervoso e inseguro perante as câmaras, mostra-se um bom líder capaz de coordenar bem a sua equipa, ou de, pelo menos, transmitir aos seus colegas a determinação e a coragem com que mostra querer resolver os problemas. Por isso não lhe será atirada à cara a "sorte" que é a revisão do PEC. Digamos que é uma sorte prevista e com o mérito de quem governa com seriedade. Logo na tomada de posse (alguma precipitação, dirão uns) duas intenções muito concretas e um ar sério (sempre o seu ar sério, é certo) de quem sabe pelo que todos passamos e não tem tempo a perder. Já tivemos Durão e Santana, já perdemos as ilusões sobre os sorrisos que cada um exibia.
Aprecio esta good vibration, mas espero (ainda é cedo). Agora a obsessão é a do rigor, da seriedade, do cumprir e fazer cumprir. Espero, então, que na seriedade exista espaço para a humanidade. Que se ouça falar em I&D e em cultura ao mesmo nível. Que se não resolvam os problemas sociais com a obstinação de um Rui Rio (cuja teimosa é tão parecida com a de Sócrates). Uma coisa é certa: no novo governo não existem superministros-das-finanças-nem-de-coisa-nenhuma que concentrem em si e na sua pasta a atenção (e o sacrifício) do país e do seu líder. Porque parece ter-se percebido que as mudanças têm que ser feitas a nível de atitude política (com seriedade que credibilize a classe e recupere o interesse aos portugueses) muito mais que de forma pontual em centro-descentralizações e outras manobras acrobáticas que caracterizaram os primeiros dias dos governos passados.