quarta-feira, abril 13, 2005

da cultura

Aborto ou Europa. É deste modo quase maniqueísta que a questão da prioridade que deve ser dada a cada referendo se têm posto. E qual dos temas o mais distantes de cada votante! O que me interessa a Europa se estou tão bem no meu país? O que é que se passa com o aborto? Não são todos assassinos, dirão uns, ou todos inocentes, dirão outros? E é assim, do mesmo modo simplista de quem passa a batata quente ou sacode a água do capote que muitos portugueses pensam sobre estas e outras questões de extrema relevância e importância.
A Europa, essa coisa abstrata que para muitos (quase todos) existe apenas no futebol, e nos subsídios. Mas então não há uma Comunidade não-sei-quê? Não, corrigi eu há tempos um colega da universidade (!), agora chama-se União Europeia, a CEE já não existe...Quem de entre a massa estudantil universitária terá a noção do que representa a revisão de um Pacto de Estabilidade e Crescimento (ou o que o próprio PEC quer dizer)? Quantos, pela invasão do Iraque pelos E.U.A., tiveram a noção da importância que teria tido uma política externa europeia coesa? Quantos continuam a achar que para se circular pelos países da U.E. é preciso mostrar o passaporte à passagem das fronteiras que já só são geográficas? A "Europa" ainda é uma nuvem, um nevoeiro...melhor: uma luz forte, para a qual se evita olhar de frente.
O aborto, uma questão diferente, mas não menos abstrata. E entre esta e a primeira duas coisas em comum: um referendo, em primeiro lugar, e uma enorme falta de cultura por parte de quem vota, em segundo. Aqui e sempre, em termos de conciencialização e de construção humana, a cultura é a questão central. Porque na cultura está a informação, claro está, mas também o hábito, a atitude de quem procura saber, de quem se dá ao trabalho de pensar e esclarecer as dúvidas que do pensamento surjam. É mais fácil, e infelizmente automática, a atitude crítica do bota-abaixo quando são, por exemplo, conhecidas propostas de perguntas para o referendo da adesão à Constituição europeia. Não há vergonha por se não perceber o nexo de duas palavras seguidas postas naquelas perguntas, cada um avança para a crítica (muitas vezes por influência das oposições políticas) sempre antes de se estudar o assunto com seriedade. A culpa é sempre dos outros, e se houver um outro abstrato como é o estado, melhor! (assim somos com os acidentes de viação que nunca podemos evitar, com os impostos cada vez mais altos aos quais saberemos sempre fugir - se não formos parvos, com os apartamentos em cima das dunas ameaçados de demolição "sem uma explicação!", etc, etc) Mas então e o estado não tem responsabilidades? Tem, pois, nem que seja para descanso dos que se exaltam pela morte da culpa solteira. Tem responsabilidades mas não é santo milagreiro. A educação deve sem dúvida ser A aposta para contrariar essa incultura. Muito mais até que a inovação tecnológica - que se tem verificado ser, ao nível na internet e dos telemóveis, um factor mais de dispersão do que de concentração de saber, onde o vício do entretenimento toma o lugar da esporádica mas intencional pesquisa ou busca do conhecimento. A cultura do hábito tem que dar lugar ao hábito da cultura. E isso deve ser passado (e não, especificamente ensinado ou incutido) nas escolas e em casa. E nos dois lugares do mesmo e exacto modo: através do exemplo! Não porão em causa que muito mais importante e positivamente marcante que estudar Gil Vicente é ter um professor de Português que seja um exemplo a seguir, um exemplo de respeito, de dignidade, de educação. Porque os professores, como os pais, é isso que têm que ser, acima de qualquer diploma ou especialidade. E isto devemos ser todos os que compomos a sociedade como lugar de interação e de relação, mas que, na generalidade, não somos. Talvez seja isto o conceito do "medo de existir" que o filósofo José Gil nos trouxe. A educação começa em casa e acaba nas escolas (na universidade, gostaríamos todos). Mas se no processo educacional todos sofrem desse "medo", se ninguém quer fazer a sua "inscrição", arriscar e deixar a sua marca, então não há soluções monetárias que o salvem. E sem educação não há cultura. E continuaremos a estar na muito citada "cauda da Europa", em vez de sermos o seu rosto no oceano de uns descobrimentos, de uns Lusíadas.