sábado, abril 16, 2005

o verniz

Os governantes, os políticos, esses grandes portadores e trabalhadores da verdade para o país, são cada vez mais - espelho da sociedade - a imagem que criam junto das câmaras, e assim junto de todos. É análoga a forma como essa tendência se verifica na publicidade televisionada. Apesar de ser já em si um objecto de imagem, os anúncios deixam de convencer pelo conteúdo, pela mensagem sincera e inocente sobre as vantagens na compra de certo produto. Abandona-se a ideia de que o produto será comprado pela qualidades que tem, mas antes pela qualidade do anúncio. Vejam-se os exemplos da Pepsi, da Coca-Cola ou da Peugeot e a sua originalidade e espectacularidade. São os anúncios que vencem a guerra da publicidade, não o produto - que muitas vezes sai esquecido, como comentava o Carlos há dias. A imagem é tudo. E ultimamente, dizia eu, assistimos a semelhantes construções da imagem em certos governantes, mais concretamente a governação de Santana Lopes, e mais recentemente o pós-governo, e ainda algumas intervenções de Jorge Sampaio.
A já conhecida vitimização que é permanente em Santana Lopes, requer câmaras, atenção. Primeiro uma governação esvaziada de conteúdo da qual nos fica a construção da imagem de um dom-ruan-pedro-coitadinho-santana-lopes. Depois a impertinência e o descabimento do "feriram-me mas não me mataram", e a consequente birra pelo regresso à câmara. Sempre a querer ser o centro das atenções. Melhor, a imagem dele, esvaziada de mensagem, ele como uma aparência, ele apenas a impressão boa que se quer trasmitir. Ele, o anúncio impressionante do falar de improviso, do permanente charme , do sorriso e da sinceridade, tudo de si para si, na ilusória trasmissão de qualquer mensagem verdadeira.
Por outro lado existe o conhecido parkinson decisório de Sampaio que não o afasta da construção de uma imagem a vários níveis contraditória. Já reparamos que o presidente precisa de tempo: tempo para pensar, reflectir, ponderar, para, no fundo, acalmar a mão tremente quando a decisão tem que ser tomada. E há falta de tempo? Corre mal e sai asneira - o que às vezes mesmo com tempo acontece. Já nem critico a simpatia que o nosso Presidente é sempre que se aproxima do povo, esquecendo o cargo que exerce e a influência que as suas opiniões têm em muita gente. Como aconteceu agora em França com a inocente pergunta de uma luso-descendente sobre o aborto no nosso país, à qual Sampaio simpaticamente teve que responder. Mas nem vou por aí, nem por todas as vezes em que o presidente se apanha mais distraído pelo estrangeiro e facilmente troca a farda de presidente pela de amável turista português. A tentativa da construção de uma imagem, pelo contrário, forte, firme, séria está centrada antes nos raspanetes que Sampaio prega em inaugurações ou visitas de uma presidência aberta. Na inauguração da Casa da Música o presidente, mais uma vez, não evita o sermão. Já toda a gente sabia que a Casa tinha sido muito mais cara do que o imaginado, que houve irregularidades no processo, que teve demasiados presidentes, então porquê o raspanete? E para quem? E que consequências práticas terá? Que timming é este, senhor Presidente? Então e o EURO 2004, ou a EXPO98 ou o seu CCB? Já que se mostra tão incomodado, não faria sentido uma pequena alusão aos erros cometidos no passado? Fiquei com a sensação de que os erros só foram cometidos nesta obra, e que só a partir de agora se deve sobre eles reflectir. E ficar com esta impressão num dia tão especial deixou-me muito triste. Não sei porque Sócrates não aplaudiu, mas é uma atitude exemplar de quem não quer construir imagem nenhuma e quando aparece não tem que ser hipócrita. Mas é o que temos, um presidente que vai dando murrinhos na mesa do país, convicto de que assim se resolvem os problemas. É a imagem que, mais uma vez, não corresponde ao conteúdo, é o verniz que com o tempo vai estalando.