terça-feira, março 07, 2006

Hollywood político?

Finalmente uma cerimónia de entrega dos Óscares surpreendente...As grandes estrelas do universo cinematográfico americano ficaram-se pela apresentação dos prémios numa noite onde brilharam mais alto nomes até ali ainda relativamente desconhecidos.
Desde que me lembro de estar mais atento a estas coisas nunca tinha assistido a esta vontade da Academia de procurar reganhar para o cinema americano o papel interventivo, social e politicamente "engagé" que ja teve noutros tempos, demonstrando-o tanto nas nomeações audaciosas (pondo de lado as grandes produções como "King Kong", "Memórias de uma Geisha" ou "Guerra dos Mundos", remetendo-as para Óscares técnicos), como nos prémios que atribuíu, com destaque evidente para o Melhor Filme do ano, "Crash" ("Colisão"), do genial Paul Haggis (realizador e argumentista), que ganha também, pelo 2º ano consecutivo, o Óscar para Melhor Argumento, tendo o ano passado levado a estatueta pelo excelente "Million Dollar Baby", e para o prémio que já tardava para o realizador Ang Lee, pela sua visão nova (ou talvez não...) do Oeste americano.
Num ano em que os Estados Unidos, talvez mais do que nunca (embora mantendo a tendência regular dos últimos anos...), estiveram nas bocas do mundo pelas piores razões, Hollywood, corajosamente, foi capaz de trazer para a ribalta filmes que, apesar da sua inegável qualidade e actualidade, são na sua esmagadora maioria pouco lucrativos e "low-budget" demais para merecerem destaque e tocam aspectos sócio-políticos controversos e incómodos (como as negociatas e a corrupção associadas ao petróleo no Médio Oriente, as tensões raciais nas grandes cidades americanas, a homofobia ou o negócio das multinacionais farmacêuticas em África), associando-os a grandes desempenhos como o de Matt Dillon em "Crash" ou o de Rachel Weiss n´"O Fiel Jardineiro".
O puritanismo e o falso moralismo foram finalmente postos em 2º plano perante o exercício artístico e de liberdade que o cinema deve ser e é cada vez mais, mostrando-se simultaneamente capaz de estar a par dos tempos e de saber reflectir (sobre) os anseios e as preocupações de quem paga o bilhete e em última instância financia esta arte.
O facto de a Academia de Hollywood ser capaz de se levantar do sofá e ver o que se passa à sua volta, reflectindo essa mesma atenção nos filmes que destaca, faz-nos pensar que nem tudo está perdido numa América onde é cada vez mais perigoso falar demais. O Patriot Act fala por si...