quinta-feira, fevereiro 24, 2005

o problema do sexo

Antes de comentar a entrevista propriamente dita de JCN gostava de escrever sobre o que ela me suscitou: a questão da importância do sexo na sociedade actual, ou, como lhe chamo no título, o "problema" do sexo. Sobre o aborto, a Igreja e outras polémicas questões escreverei noutra ocasião.

É hoje sabido que ao longo dos tempos as sociedades têm revelado uma abertura cada vez maior no que respeita a comportamentos, práticas ou manifestações que caracterizam dinâmicas sociais e culturais (de grupo ou individuais) onde a cultura do prazer e a sexualidade têm enorme peso. Gilles Lipovetsky já há muito identificou a "sedução non-stop" a que estamos cada vez mais expostos, como dois dos agentes da nominada "era do vazio". Na sociedade aberta e democrática cresceu o espaço (e ainda bem) dos grupos minoritários como os gays e as lésbicas, que agora podem defender os seus direitos e manifestar-se publicamente. A pornografia, quando não aparece disfarçada em publicidade a produtos não-eróticos como produtos alimentares ou automóveis, ou em video-clips musicais, é de acesso gratuito. Quebraram-se tabus, nasceu toda uma industria (farmácia, vestuário, cinema, música) à volta do sexo.
"O sexo é uma força extraordinariamente poderosa que define a nossa vida. JCN". Que regula uma parte muito considerável da vida do homem enquanto ser social e em relação, diria eu de um modo menos dramático.
Tudo é rápido e fácil (internet). Há cada vez menos tempo para pensar, reflectir, orientar as linhas da vida de cada um. Não há tempo para a introspecção, a sociedade "evoluiu" rápido de mais e não houve ainda tempo de pensar como lidar com muitos novos desafios, entre os quais alguns de índole sexual: quem são os homosexuais, podem eles adoptar crianças, o que é a pedofilia, quem é realmente o pedófilo, os pedófilos são homosexuais, são ambos doentes?
A resposta a muitas destas questões resulta do confronto cultura vs ciência. Apesar da evolução igualmente supersónica da ciência e da sua crescente credibilização, os juízos sobre estas matérias são feitos com alguma reticência quanto às provas científicas. Há um peso moral e cultural que torna difícil lidar com os factos científicos, ou seja, que por vezes os não considera como tal por chocarem com a sua "longa educação".
Mas se tivermos como verdadeiros esses factos podemos lançar várias questões que servem para mostrar o peso da sexualidade na nossa sociedade. Como reagirá, por exemplo, um homosexual ou um pedófilo a estudos que demonstrem inequivocamente que o seu cérebro tem patologias, ou seja, que os seus consequentes comportamentos não são normais? Como encarará a sociedade a sua "diferença"? Estará este ao mesmo nível de outro com desvio mental? Como encarará a justiça estes casos? Haverá atenuantes em casos de crimes sexuais como as há para os dementes? Deve Carlos Cruz ser parcialmente perdoado se se provar que tem uma doença neurológica que o assemelhe a um mongolóide, como a lei prevê? É ou não mais difícil perdoar-lhe o mesmo crime se a patologia estivar ligada a comportamentos sexuais anormais? Ou então, como encararão dois homosexuais a impossibilidade de adoptarem crianças por se provar que com alta probabilidade a criança em homosexual se tornará, por maior que seja o amor entre o casal e a criança? Como é que um desvio que pode ser ocultado, escondido, que não é visível como é, por exemplo, no mongolismo ou na esquizofrenia, é assumido pelos seus "portadores" e pela sociedade?
Haverá espaço na sociedade para aceitar a verdade da ciência? Haverá, por hipótese uma comunidade científica que há muito conhece a verdade, mas não consegue implantá-la socialmente? Como lidar com esta poderosa força que paradoxalmente nos agride e nos protege?