sábado, setembro 10, 2005

a carta


Jozef Israels, Velho Lendo Uma Carta

Dissera-me que não sabia, que estava a passar uma fase transitória e que isso seria, porventura, um passo no escuro, incerto, como os dias na velhice. Talvez a vida lhe tivesse antecipado a experiência da morte de forma a prepará-lo para quando realmente chegasse. Mas do que experienciava naquele momento não podia concluir nada a esse respeito. Que o dia exacto, achava ele, ninguém poderia saber. Que não, não sabia como era a morte ou o que fosse morrer.
Respondi-lhe que achava que era como uma carta que aguardássemos de alguém que não víamos há muito tempo. Disse-lhe que viver era isso, era esperar pela carta. A inquietação vai crescendo com os anos, e vai-se ganhando medo de, a qualquer momento, a carta chegar. E assim vamos perdendo as forças, porque os nervos cansam, e o corpo definha, fica-se fraco e indefeso, e carente como uma criança. Que o difícil era aceitar naturalmente a dúvida e a incerteza, procurar um meio de apaziguamento, um conforto, um apoio.
Por fim respondi-lhe que não, que também não sabia, que ainda esperava a minha carta.