sexta-feira, novembro 16, 2007

TRIBUTO


Sou uma das poucas pessoas (provavelmente a única...) que conheço sem tv por cabo. Vantagens: o dinheiro que poupo por mês. Desvantagens: lidar com o lixo que se faz nos canais portugueses. Raramente ligo a tv, excepto para boas séries, noticias, um ou outro clássico do cinema.
A Música (ausência gritante na tv, excepto o triste Top +) aprendi a ouvi-la e a apreciá-la verdadeiramente na rádio. Escancarou os meus horizontes musicais para áreas tão díspares com o indie mais recondito ou a electrónica mais esquisóide. Ouvi álbuns que hoje me são imprescindiveis e nunca vi repetidos em qualquer outro sítio.
Tive a sorte de encontrar pequenos oásis neste interminavel deserto de ideias e airplays formatados, indissociável do Éter nacional: os programas de autor, conduzidos por uma espécie em vias de extinção, pessoas cuja voz deixa de ser sua para ser a de muitos, que sabem os segredos por detrás de cada nota e os partilham generosamente, para quem a rádio não é obsoleta nem mera sucessão inconsequente de "tracks", mas instrumento único e insubstituível de comunhão e divulgação cultural.
Um desses oásis foi a "Hora do Lobo", que saltou de estação em estação, com outras designações e horários, mas sempre guiada com a mesma alma na voz, o mesmo espirito de missão e calma desconcertante, qualquer que fosse o som que estivesse na calha... A única regra era não haver regras. Um desafio constante para um mero iniciado como eu. Vozes, sons, ideias, repulsa, fascínio...tudo se confundia no silêncio da madrugada e, lentamente, a tolerância e entendimento de diferentes ideias sonoras ia surgindo na minha mente como na de muitos outros fiéis seguidores, um verdadeiro Clã do Lobo.
Confesso que acabei por inevitavelmente perder-lhe o rasto mas o seu uivo ainda hoje se faz ouvir...se não no Éter, na memória da "imensa minoria" que cresceu, em mais do que um sentido, guiada com segurança pelos intrincados rastos musicais que foi deixando ao longo de uma dura mas, com certeza, compensadora caminhada dedicada exclusivamente a quem se deu ao trabalho de Ouvir.

Obrigado António Sérgio.