quinta-feira, março 30, 2006

coisas de amanhã

Este poema/canção de Luís Andrade/Janita Salomé que por estas bandas se ouve em tons jazzísticos (e que agora vagueia pelas américas, se não estou em erro). o título do post, não confundir, é crónica antiga - o do poema, as primeiras palavras (ou as últimas).


Não é fácil o amor melhor seria
Arrancar um braço fazê-lo voar
Dar a volta ao mundo abraçar
Todo o mundo fazer da alegria

O pão nosso de cada dia não copiar
Os gestos do amor matar a melancolia
Que há no amor querer a vontade fria
Ser cego surdo mudo não sujeitar

O amor o destino de cada um não ter
Destino nenhum ser a própria imagem
Do amor pôr o coração ao largo não sofrer

Os males do amor não vacilar ter a coragem
De enfrentar a razão de ser da própria dor
Porque o amor é triste não é fácil o amor

quarta-feira, março 29, 2006

We are the world...


Fez ontem 20 anos que foi lançado este single que juntava os grandes da música americana da altura em torno de uma campanha de solidariedade com África. O grupo era USA for Africa e metia ao barulho o saudoso Kenny Rogers, Willie Nelson, Springstein, Michael Jackson, Cindy Lauper, Dylan, Ray Charles...sei lá, a lista era imensa.
Já serviu de banda sonora a uma das melhores festas de sempre da FDUP, dedicada aos 80´s...Bons tempos.
Onde é que andará esse vinil?

quinta-feira, março 23, 2006

day is done


o verdadeiro álbum mourinho: o melhor do mundo e de sempre.

terça-feira, março 21, 2006

José Ramos

Morreu José Ramos. O voz-off da Sic, uma das mais fantásticas vozes da rádio, um dos "Reis da Rádio" da Antena 1, morreu ontem à noite, vítima de cancro. Poucos conheciam a sua cara, mas todos reconhecem a sua voz.
E talvez a perpetuidade nas ondas hertzianas seja a mais próxima da nossa ideia etérea de imortalidade...

Ao longe os barcos de flores

Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila,
- Perdida voz que de entre as mais se exila,
- Festões de som dissimulando a hora.

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora...
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.

E a orquesta? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta flébil... Quem há-de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?

Só, incessante, um som de flauta chora...


Camilo Pessanha

Sobre Um Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
– a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

– Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
– E o poema faz-se contra o tempo e a carne.


Herberto Hélder

A força do hálito

A força do hálito é como o que tem que ser.
E o que tem que ser tem muita força.

Vai (ou vem) um sujeito, abre a boca e eis que a gente,
que no fundo é sempre a mesma,
desmonta a tenda e vai halitar-se para outro lado,
que no fundo é sempre o mesmo.

Sovacos pompeando vinagres e bafios,
não são nada --bah...-- em comparação
com certos hálitos que até parece que sobem do coração.

"Ai onde transpira agora
o bom sovaco de outrora!"

Virilhas colaborando com parentesis ou cedilhas
são autênticas (e sem hálito) maravirilhas.
Quando muito alguns pingos nos refegos, nas braguilhas,
amoniacal bafor que suporta sem dor
aquele que está ao rés de tal teor.

Mas o mau hálito é pior que a palavra
sobretudo se não for da tua lavra.

Da malvada, da cárie ou, meudeus, do infinito,
o mau hálito é sempre, na narina,
como o baudelaireano, desesperado grito
da "charogne" que apodrecer não queria.


Alexandre O'Neill

you are welcome to elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar


Mário Cesariny

Despedida

Colhe
todo o oiro do dia
na haste mais alta
da melancolia.


Eugénio de Andrade

segunda-feira, março 20, 2006

sábado, dia dezoito


O Marc e a Sofia, aqui ao longe, no sábado bem mais perto, menos spot lights, não menos brilhantes, no contrabaixo e na voz - muito swing diria Zé Duarte, e foi mesmo, no Tertúlia que já é uma grande casa-jazz-bar, e num dia cheio de poesia. Um abraço aos meus amigos meus e ao dia cinzento, que ainda assim nos aceitou, felizes e intransigentes.

quarta-feira, março 15, 2006

Para ti...

Qaundo a melancolia enche o sol, o esvazia do
seu brilho, faz baço o amarelo do rebordo, apaga
os fios de fogo que da sua esfera fulgem, pego
nele e ponho-o na travessa do bolo. Com a faca,
corto-o; e ofereço-te
uma fatia de sol, que levas à boca; ele volta a brilhar,
iluminando-te os lábios, os olhos,
o rosto. Então, beijo-te: e é como se
tocasse o sol, como se a sua chama me queimasse,
sem doer, ou como se a sua luz entrasse por dentro
de mim, quando a sobremesa
chega ao fim.

"Sobremesa" - Nuno Júdice

segunda-feira, março 13, 2006

apresentação

solilóquios

joão bateira

edições cosmorama

LUGAR DO DESENHO - FUNDAÇÃO JÚLIO RESENDE
[Rua Pintor Júlio Resende, 346 - Valbom]

18 de Março [sábado] > 16.30h

apresentação > Maria João Leite
leitura de poemas > Liliana Costa

quinta-feira, março 09, 2006

Burns

Serei o único a achar que no retrato da Paula Rego só falta um balão ao Sampaio a dizer "Excelent Smithers!"???

terça-feira, março 07, 2006

Hollywood político?

Finalmente uma cerimónia de entrega dos Óscares surpreendente...As grandes estrelas do universo cinematográfico americano ficaram-se pela apresentação dos prémios numa noite onde brilharam mais alto nomes até ali ainda relativamente desconhecidos.
Desde que me lembro de estar mais atento a estas coisas nunca tinha assistido a esta vontade da Academia de procurar reganhar para o cinema americano o papel interventivo, social e politicamente "engagé" que ja teve noutros tempos, demonstrando-o tanto nas nomeações audaciosas (pondo de lado as grandes produções como "King Kong", "Memórias de uma Geisha" ou "Guerra dos Mundos", remetendo-as para Óscares técnicos), como nos prémios que atribuíu, com destaque evidente para o Melhor Filme do ano, "Crash" ("Colisão"), do genial Paul Haggis (realizador e argumentista), que ganha também, pelo 2º ano consecutivo, o Óscar para Melhor Argumento, tendo o ano passado levado a estatueta pelo excelente "Million Dollar Baby", e para o prémio que já tardava para o realizador Ang Lee, pela sua visão nova (ou talvez não...) do Oeste americano.
Num ano em que os Estados Unidos, talvez mais do que nunca (embora mantendo a tendência regular dos últimos anos...), estiveram nas bocas do mundo pelas piores razões, Hollywood, corajosamente, foi capaz de trazer para a ribalta filmes que, apesar da sua inegável qualidade e actualidade, são na sua esmagadora maioria pouco lucrativos e "low-budget" demais para merecerem destaque e tocam aspectos sócio-políticos controversos e incómodos (como as negociatas e a corrupção associadas ao petróleo no Médio Oriente, as tensões raciais nas grandes cidades americanas, a homofobia ou o negócio das multinacionais farmacêuticas em África), associando-os a grandes desempenhos como o de Matt Dillon em "Crash" ou o de Rachel Weiss n´"O Fiel Jardineiro".
O puritanismo e o falso moralismo foram finalmente postos em 2º plano perante o exercício artístico e de liberdade que o cinema deve ser e é cada vez mais, mostrando-se simultaneamente capaz de estar a par dos tempos e de saber reflectir (sobre) os anseios e as preocupações de quem paga o bilhete e em última instância financia esta arte.
O facto de a Academia de Hollywood ser capaz de se levantar do sofá e ver o que se passa à sua volta, reflectindo essa mesma atenção nos filmes que destaca, faz-nos pensar que nem tudo está perdido numa América onde é cada vez mais perigoso falar demais. O Patriot Act fala por si...